segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Cerro Catedral

Voltando do meu estágio em Osorno, sul do Chile, tive a oportunidade de parar por um tempo em Bariloche, Argentina. A princípio teria ali dois dias, mas um problema com os horários do ônibus à Córdoba me fez mudar os planos fazendo que só tivesse um dia para conhecer o máximo possível da região.

Mochila nas costas fui caminhando da rodoviária ao albergue, que já conhecia pois havia passado uma noite lá na viagem de ida. Lá chegando me acomodo e de cara conheço um suíço companheiro de quarto. Se chama Yannick e vive perto de Basiléia. Gente boa o rapaz, com o qual me comunicava em inglês, traduzindo ele para o espanhol e soltando um português velho agauderiado de quando em vez, fazendo um baita nó no cabeção de porongo.

Conversando com ele e com o cara que atendia o albergue decidimos pegar o micro na manhã seguinte, domingo 17 de fevereiro, para o Cerro Catedral e daí fazermos umas caminhadas, ele disposto a ir ao refúgio Frey passar a noite e eu por voltar pois tomaria o bus a Córdoba na segunda de manhã. O suíço, alpinista experiente, me deu as dicas e fomos às compras: chocolate, água, frutas, pão e frios, no meu caso murcilha pois a colonice impera.

Depois de uma noite regada a cerveja trocando uma idéia com o povo do hostel, principalmente uns chilenos (entre eles um estudante de agronomia), acordei com uma ressaquinha às 7 da matina para me preparar para a jornada. Tomamos café e seguimos em direção à parada para pegar o micro das 8. De-lhe papo com o europeu, trocando impressões sobre nossos países e convencendo ele que o Brasil é beeeeem melhor que a Suíça, o tempo passou rápido e chegamos à Vila Catedral, base do cerro, que no inverno bomba e no verão é lugar de mochileiros querendo fazer uma bela caminhada na montanha.

9h - Começamos a caminhar, meio a esmo, mas tentando seguir as indicações que levavam até o refúgio. Fazia sol e se percebia que seria um dia quente, pelo menos daquele lado do cerro. Caminhando atalhamos por uma trilha muito empinada para seguir o caminho dos teleféricos e ir até o refúgio Lynch, na ponta norte do cerro. Já estava de língua de fora por subir essa lomba, sem ter nem idéia do que me esperava pela frente. Ziguezagueando pelo cerro a paisagem mudava a cada passo e comecei a perceber que realmente estávamos subindo, partindo na base de uma altitude de 700msnm e com o objetivo de chegar aos 2400 que pareciam inalcançáveis lá em cima. Nesse ziguezague atravessamos as pistas de ski bem marcadas entre a vegetação cortada para tal e a cada curva aberta se contemplava Bariloche e o Nahuel Huapi ou a ponta do lago Gutierrez atrás do Cerro, imagens inesquecíveis.



12h - Com a programação completamente alterada, não iríamos mais diretamente ao refúgio se não contornar o Cerro pelo lado oeste e descer ao Frey. Para tanto alcançamos o refúgio Lynch, tendo o suíço muito na minha dianteira, fui meio que escalando o pedregulho até chegar lá. Aí encontramos Don Manzana, que nos indicou finalmente o que o mapa não conseguiu: o caminho do passo.

13h - Chegamos ao passo. Aí eu teria uma baita surpresa ao ver o cambio repentino da paisagem e avistar a cordilheira até a divisa com o Chile de um lado e Bariloche e a patagônia Argentina do outro. Além disso a mudança de clima: todas as nuvens paravam ali como se fosse uma represa, saímos de um lado com sol no lombo e eu suado como um cavalo, para chegar lá em riba e pegar uma ventania gelada encarquilhando o lombo. O esforço que fiz para chegar nesse passo foi algo, já tinha cãibra nas duas coxas e esse caminho cascalhento era um passo pra frente e dois pra trás, mas realmente valeu a pena, uma vista sensacional, foi um lance meio espiritual, me emocionei muito lá em cima.


13h a 16h - Caminhando pela encosta oeste do Cerro num pedregal sem fim e por um senderinho muito estreito, só se viam as pedrinhas e os pedrões rolando a ribanceira até lá embaixo, baita frio na barriga! Havia horas em que eu tinha que me pendurar por completo nas pedras, com dois ou três apoios, um cagaço de respeito pra quem não está acostumado. As cãibras foram aumentando e o Yannick se distanciando, até que uma hora me falou para encontrarnos no Frey porque não havia erro. Mal sabia ele que estava descumprindo um acordo tácito existente entre os que andam por aquelas montanhas: nunca andar só, principalmente se estás acompanhando um brasileiro huevón! Total que segui andando e vi uma indicação: Frey Jacob, para mim esse era o nome do Frey (capuchinho devia ser o Jacó) e segui a flechinha que saia do Jacob, comecei a descer, crente que a volta pelo cerro se dava pelo vale lá embaixo. Dois argentinos de Bariloche (Marcelo y Martín) que vinham subindo e me pediram para onde eu estava indo e eu lhes disse: Frey! Então me disseram que devia subir os 200m que havia descido e seguí-los, além de xingarem muito o suíço. O Frey não se chamava Jacob, e por culpa de minhas deduções bizarras quase cago o passeio. Jacob é um lago ao lado do refúgio San Martín há 4 horas descendo a lomba.



16h - Antes de chegar ao refúgio tive meu primeiro contato com neve acumulada pertinho do lago Schmmol (esse aí da foto de cima). Não a toquei nem pisei, apenas tomei água do degelo que se acumula nessa represinha natural logo acima do refúgio, incrível, geladinha e pura. Chegamos ao refúgio, onde estava rolando um super assado e ceva de graça aos que ali chegassem. Um pouco antes de chegar, no vale do lago Tonchek, vi um acampamento de onde saía um som dos Engenheiros do Hawaii, Infinita Highway: ou o mundo é muito pequeno ou gaúcho é praga mesmo, além de tudo estavam ali mateando e falando em Porto-alegrês.


Acima a vista que se tem desde o refúgio, destaque ao pico do Cerro Catedral no alto dos seus 2400 e poucos metros.

17h - De pancinha cheia de assado e murcilha, além é claro da vervejénha, comecei meu retorno, não sem antes molhar os pezinhos no lago gelado para desinchar meus dedos mutantes. Nem sabia que ainda teria 3 horas de caminhada até a base, o bom pensava eu é que era pura descida em senderos mais abertos e sem pedras, mas a descida força muito, no final pude notar bem isso. Outra vez a paisagem mudava a cada passo, entrando num mato cheio de gimnospermas pré-históricas, alerces e outros ciprestes doidos e gigantes, assim o passeio foi muito agradável fazendo-me esquecer que já tinha caminhado mais de 20Km nessa brincadeira.

20h - Chego à parada do micro para retornar ao hostel só pensando numa ceva gelada, banho (a tosa pra outra hora) e sono, mas com a cabeça cheia de boas lembranças e de um dia perfeito em contato com a natureza e comigo mesmo, onde pude pensar muita coisa serenamente. Espero poder ter mais experiências reveladoras como essa, assim aos poucos vou amansando essa ansiedade e me tornando mais calmo e contemplativo, vivendo cada dia a sua vez.

No final das contas havia percorrido mais ou menos 22Km, imaginando que havia feito uns 8, acho que esse ano Caravaggio vai parecer ir ao centro a pé.

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